sábado, 12 de março de 2011

Só ventilador sabe o lado certo de girar

As madrugadas são geniais pra mim. Aqui de cima, mesmo estando consideravelmente baixo comparado aos prédios do recife, no meu terceiro andar, não se ouve barulho de carros, gente e nem mesmo o da minha própria casa. Mesmo tendo nascido às 10 da manhã, eu me fiz foi dentro do escuro, mas com o quarto muito bem iluminado. Tenho pavor do escuro total. Antes, quando eu era uma durona, não admitia meus “pequenos” medos. Era mais bonito dizer que eu mantinha uma relação de respeito com o escuro. Ele é maior do que eu, então o respeito.

É gostoso imaginar o que acontece nas janelas dos prédios vizinhos durante a madrugada. Alguns, na penumbra da televisão, ainda se mostram acordados, ou não. Outros, bem acesos, podem também estar acordados ou são do clã dos medrosos e dormem no claro. Isso me lembra duma noite. Estava voltando de algum canto com minha mãe. Nessa época, devia está com os meus dourados quinze anos e andava no carro deitada no banco de trás. Gostava de ver as luzes dos postes se misturarem com as copas das árvores. Dava um efeito bonito. Não lembro o porquê, mas mesmo sendo tarde estava um transito louco. E de cabeça pra baixo eu olhava pra uma janela do segundo andar de um prédio caixão. Tinha um homem sentado na varanda. Parecia ser velho, não dava pra enxergar o rosto dele. A luz da sala estava acessa e a da varanda apagada, só me deram direito de ver sombras. Uma mulher entrou, acho que a filha, talvez a enfermeira, talvez uma namorada muito jovem, mas naquela época eu só pensei que era a filha muito zelosa pelo pai idoso. Ela trazia um copo, eu pensei ser água e ela o entregou alguma coisa fora o copo, que eu achei ser um remédio. Para mim ele era um velho e velhos tomam muitos remédios. Também pensei que aquele era um velho ranzinzo, o homem parecia reclamar e não queria tomar o remédio. Eles pareciam conversar, imaginei toda a conversa prestando bem atenção nos gestos das mãos dos dois. Ela saiu logo, acho que deve ter ficado com raiva porque ele se negou a tomar o remédio. Depois de um tempo o carro andou e não dava mais pra ver a janela. Às vezes me pergunto se ele tomou o remédio, às vezes também me pergunto se era um remédio.

Dentro do meu quarto, nas madrugadas, me sinto meio Gregor Samsa, mas também me sinto um adolescente espiando os vizinhos com binóculo. E não me envergonho disso, não é nenhum pecado e acredito que Deus, ou qualquer um dos seus assessores, no dia do purgatório, vai relevar essa coisa toda de olhar os alheios.

A questão não é só o silêncio. É a sensação de poder olhar e acreditar que também não está sendo olhado. É a coisa de pensar está vendo o que ninguém mais pode ver. E é o seu quarto, seu domínio. Aqui eu conheço todas as paredes e cada detalhe do chão. A segurança e o meu próprio mistério. O vento da madrugada também é mais gostoso. Parece que ele aprende a entrar pela janela de um jeito diferente e que por falta de carros, ele é mais limpo e que minha liberdade gira junto com meu ventilador de teto.

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