sábado, 26 de maio de 2012

Dicionário dos que sentem


Pois, cadê Deus para descrever o sentimento? Ele falou e disse sobre tudo, mas esqueceu, creu eu, de deixar um legado sobre como se guiar quando se sente algo que nem Ele sou como descrever. E, então, coube, à nós, meros mortais, a tentativa de escrever essa carta cega que é decifrar o amor.

Uns dizem que sufoca, que dói. Outros apelam para o lúdico e declaram regra o imaginário e a liberdade. Tem também os que se atrevem a dizer que é uma junção do sacrifício com o benefício. Tortura para os pragmáticos, que não largam as regras e querem o dito no preto e branco. Deus esqueceu de ditar muitas coisas, mas sim, o amor dos amantes, foi o maior destes esquecimento.

Fica a dúvida: se ama uma única vez ou este é um sentimento que renasce? ou mais, é um sentimento que se controis com o tempo? Parece que Ele adivinhou a cinematografia moderna e deixou a dúvida para o telespectador. Temos que descobrir por conta própria, sem algum embasamento teórico, porque esta última temporada, a que nos revelaria os grandes mistérios, foi cancelada por ser muito complicada, ou, talvez, por ser muito custosa na hora de filmar.

Sobra para os que amam pedir a Deus um guia, uma luz, um sinal ou qualquer coisa que indique o melhor caminho. Tapar os olhos e seguir, por vezes, parece o melhor caminho, mas os que já provaram e se arriscaram por esse sentimento, teimam em não se permitir.

Dói, é bom, é duvidoso, é lúdico, liberta, prende, alegra, faz chorar. Amor não se decifra, não se ensina como sentir, não se descreve, não é permito contar. Amor é amor, sem medidas, sem cautelas, sem pudor.

Deus nos deixou uns dos melhores mistérios de se viver. Ame e se permita ser amado. De tão irreal que é, o amor nos faz pisar na maior das realidades: a felicidade.  

sábado, 8 de outubro de 2011

Resumo

Descobrir que sua sina é viciosa não é tão confortável quanto calçar um tênis azul e amarelo. É medonho. E como medo sempre foi meu codinome, vesti o destino do meu caminho sem perguntar muito, por mais que minha curiosidade apele interrogação. Deixei tudo me caber apertado na cabeça e no peito como uma menina pequena que finge descobrir o mundo, mas sabe conhecer uma verdade como ninguém. O lúdico nunca vai me deixar.

Minha desordem começa por fora de mim. Não por desgosto, nem por agrado algum as coisas fora do seu lugar. Tudo é que insiste em acontecer nesta fora de ordem ao meu redor. Como se mesmo obrigado a ventar do mar pra terra, meu vendo desejasse partir.

É quase como subir uma escada pulando degraus, correndo no passo para sentir o prazer de tropeçar mais a frente. O que me surpreende é conhecer muito bem esse tropeço, mas não desistir dele. É o limite do meu prazer e minha dor.

Minha reza, quando deito, canta o sossego, mas n’alma meu desejo é o desmantelo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Aberta

Abrir a porta e pedir passagem para um amor antigo ir. Na verdade, quase implorar para que ele siga e não leve muita parte de mim. Que não me tire as manhãs de domingo acordada pelo beijo, o sol batendo na pontinha do pé frio e a música que deixava uma preguiça e a vontade de te deitar junto. Nem os banhos de rio, muito menos os carinhos que se encaixavam como um Lego. Não sei se dói mais deixar partir ou encarcera essas coisas que a gente descobre com o tempo que sabe sentir.

A frequência da lembrança vai cessando, mas a cada volta ela perturba uma parte diferente. Ora o olfato, quando, por acidente, sinto o perfume em outro alguém. Ora no tato, quando, agora de propósito, comparo um toque.  Ora no peito, quando, mais uma vez por conta própria, volto a ler nossas cartas. Mas cada vez mais, essa volta se dá de forma madura, como um momento que vivenciou todas as suas etapas e findou.

Pontoar o que sentir é de vera confuso quando sei que um sentimento não morre em um ponto. Aqui, se tudo isso fosse apenas um texto seria o momento certo para uma vírgula. Um rito de passagem. Como se me abrissem em duas para seguir rumos distintos, mas sempre paralelos e meus.


  

sábado, 20 de agosto de 2011

Coisas de menina pequena


Eu pelejei para lembrar, mas consegui arrancar as minhas melhores histórias. A primeira que me veio à cabeça foi bem lucida. Lembro da cozinha. Os eletrodomésticos eram de um tom de marrom claro; as paredes cobertas até o teto com um azulejo bege com desenhos florais; era um corredor, onde do lado direito ficavam a geladeira e o fogão – com uma mesa de formica entre os dois. E do lado esquerdo a pia e um filtro de barro com uma tira vermelha marcando a separação das duas peças. Lembro da cozinha porque era lá que eu tentava, com a fúria da minha infância, sugar uma caixinha de toddynho em uma só sugada. Eu sei porque fazia isso. Parecia que o liquido chegava mais grosso dessa forma. A textura parecia modificar o sabor do achocolatado. Bobagem de menina pequena.

Lembro da minha primeira bicicleta. Um orgulho muito maior que eu. Tão maior que não conseguir dá uma única pedalada nela naquele ano. Me sobrou a bicicleta velha da minha irmã. Era azul, parecia de menino, parecia uma pequena motocicleta sem motor. Lembro também que ela não conseguia pedalar direito a minha Caloi Rosa Claro e tinha que subir no canteiro do estacionamento dos carros pra subir no meu presente. No primeiro dia que ela andou na minha maquina, trombou com a bicicleta de um vizinho e ele prendeu o braço na roda da minha bicicleta que ela pedalava. Acho que hoje ele deve pensar: Preferia que a pequena tivesse ganhado o presente grande e esperado o tempo certo para usar.

Também consigo sentir o cheiro do quintal da minha avó e avô paternos. Tinha o pé de carambola, onde eu subia pra ver o quintal de um terreiro – e minha avó, cristã que era, dava escândalos quando notava a cambada de netos pendurados na árvore pra ver coisas novas – Tinha o pé de goiaba, que servia de mostruário de chibatas para meu avô, um homem com dons artísticos não aproveitados; um pé de pinha – que eu nunca vi uma pinha pendurada; e um pé de framboesa, que me encantava pela delicadeza.  Um cacho de uva pequeno com um gosto doce e azedo em um mesmo corpo. Era o fundo da casa, que mais parecia uma caixa de areia gigante – apenas para uma criança. Meu avô construiu com as próprias mãos aquele paraíso. Como eu gostava daquele lugar. Como aquele lugar me construiu com as próprias mãos.

Teve o dia em que fui a rainha. Minha irmã mais velha ficou doente e não pode ir para a escola, meu irmão mais novo ia para o berçário com minha mãe. Então, esse foi o primeiro dia que fui sozinha na caçamba da Pampa do meu pai para a aula. O vento que meu ventilador faz agora me lembra muito bem o vento que batia no meu rosto. Uma liberdade que além de ser só minha só eu entendia. Eu fui me segurando nas armações de ferro que esses carros com caçamba têm. Eu era tão pequena, mas me senti naquele momento em uma viagem sem fim com meu maior super-herói.

Outro dia memorável foi quando minha mãe precisou descer e deixou minha irmã mais velha cuidado de mim e do meu irmão. O desenho animado, ou algum desses programas infantis, chamou mais atenção e ela ficou como toda criança fica, hipnotizada por aquela caixinha preta (que na minha época era literalmente uma caixinha e de preto só tinha o fundo, porque a frente era prata com botões gigantes). No quarto, meu irmão viciado em perfumes desde sempre, achou um frasco de perfume de um litro. Daqueles com cheirinho de bebê bem vagabundo. Colocamos a cadeira na frente do armário onde estava o frasco e em uma aventura emocionante escalamos o guarda-roupa – que hoje bastaria levantar a mão para alcançar seu fim. Ele pegou o pote, me abraçou e juntos tomamos um banho de perfume como nunca na vida tomei mais.

Minha avó paterna. Ela sempre pagava ônibus. Foi com ela que aprendi a levantar a mãozinha pra ele parar. O meu favorito eram os elétricos. Eram azuis e os bancos ficavam frente a frente na vertical. O barulho que eles faziam; os estalos e o fogo que saia no fio. Gravei tudo na memória. Na espera desse ônibus, espacial para mim, me divertia na veia grossa e gorda da minha avó. Brincava de prender a circulação dela, brincava de tocar uma música sem som. Nosso destino era o Centro da Cidade. Como eu gostava daquela gente correndo, daquela gente sem tempo. Ela parava em várias lojas e sempre no mesmo banco. Me sentia tão orgulhosa de ver que todos conheciam minha avó. Ela cumprimentava as pessoas com uma elegância que até hoje tento copiar. Era um gesto simples de cabeça e um sorriso que nunca vi igual na vida – nem sorriso, nem uma canjica tão boa quanto a dela.

Já minha avó materna era a mulher dos bolos. Meu primeiro gole de cerveja foi em um bolo dela. Bolo com cerveja. Ela era mais traquina que qualquer criança. Era diabética, mas sempre me enrolou direitinho e me fazia entregar meus biscoitos recheados por uma aliviada nas minhas próprias traquinagens. Ela me contava histórias de um tempo muito distante do meu. Contava os cortejos que meu avô materno fez para conseguir a mão dela em casamento, dos escravos das terras da família, das cidades pequenas que ela passou. Meu maior divertimento era tentar roubar um abraço dela. Como é engraçado agora lembrar a fúria que ela ficava no rosto e o gosto que ela sentia nos braços quando a gente se abraçava. Aquele rosto branco de cabelos negros e braços gordos nunca saiu da minha cabeça. Como aprendi a ter razão com ela.  

Vovô Tota. era assim que chamávamos seu Francisco, meu avô paterno. Ele sempre, mais sempre dava moedas pros netos comprarem doces na barraca do Chico, que ficava na esquina da casa dele e da minha avó. Um dia, ele com seu talento pra mexer com madeira e modulagem, me fez um cofre de madeira. A primeira fez que enchi esse cofre com moedas foi agora a pouco. Ele é grande até pra gente grande. Lembro também dele debaixo do pé de carambola tecendo sua rede de pesca. Ele mesmo fazia, ele mesmo me ensinou a pescar meu primeiro peixe – que acabou pulando para o mar de novo, para minha felicidade.

São tantas histórias que me fazem. São tantos eus que me constroem. Volto, hoje, para me lembrar a essência, para não esquecer as coisas velhas. Volto no pensando, mas com uma vontade danada de voltar de verdade, porque naquele tempo, meu maior desafio ainda era tomar um toddynho em uma só sugada. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Perdi a minha fé e não foi em nenhum dos meus cantos. Assumo, sou apostata. Troquei a minha fé pela razão, porque não foram só os meus planos que caíram por terra, mas cada pedaço da minha carne.  Essa é minha ferida aberta de vida e cada vento que sopra queima o fogo, atiçando minhas brasas adormecidas.

Sem engolir palavras, conheço hoje minha pior parte. Minha dúvida, minha constância nesse estado inerte, acorrentada dentro da minha própria história. Sinto que me apararam as garras, me roubaram a chance de fugir.   

Dentro deste meu mundo perco os sentidos e já confundo sede com fome, na verdade não sei se meu corpo pede pelo prazer de comer ou pela ferocidade de devorar.

É como pedir licença para se humilhar. Pregar os olhos em paredes frias e esperar que tudo se volte para seu devido lugar.

Na verdade, sei que me engano. Porque a fé sou eu e a razão nunca me coube. 

domingo, 7 de agosto de 2011

Sexo II

Minha vontade é lei. Agora isso basta. 

sábado, 6 de agosto de 2011

Sexo

Meu corpo nu marcado pelo cobertor grosso. Um sorriso saindo pelas pontas dos olhos. Café. A bagunça arrumada do quarto. O vento musicando na beira da janela e o ventilador misturando tudo. A fumaça do seu cigarro bailando entre nossos espaços, junto ao nosso calor.

O toque. As linhas dos dedos riscando a silhueta da cintura, das coxas, dos peitos. Carne. A tinta fresca escorrendo em uma tela branca. Guache. É o nosso desenho.  A luz nos abraçando e o tempo liquidificando. Nos corredores dos teus dedos os meus. Suor. Tua pele em forma de chamado. Meu desejo pulsa como sangue. Ritmo.

Na palma de tua mão meu sexo. Em algum canto da minha alma teu gozo.